Registo clínico narrativo integrado no registo clínico digital

O Movimento OpenNotes é a concretização do valor do parallel chart (registo clínico paralelo) originalmente criado por Rita Charon e que tem sido instrumento de investigação qualitativa na área dos Cuidados de Saúde por equipas especializadas como o ISTUD (https://www.medicinanarrativa.eu/narrative-medicine-istud), sob a supervisão de Maria Giulia Marini.
Aqui em Portugal temos um longo caminho a fazer e o GERMEN irá certamente dar os seus contributos para que o registo clínico paralelo seja uma prática cada vez mais comum.

https://www.opennotes.org/

Notas soltas sobre a Tertúlia Cuidar de Quem Cuida

Notas soltas sobre a tertúlia Cuidar de Quem Cuida

Susana Teixeira Magalhães

 

Quem cuida habita um tempo e um espaço

que excedem o  kronos e o mapa da vida apressada

em que nos deixamos submergir

 

Na tertúlia Cuidar de quem Cuida, que teve lugar no dia 27 de Maio de 2019, houve espaço e tempo para pensar sobre o sentido do Cuidar em contexto informal e formal, através da partilha de experiências e de conhecimento entre cuidadores, profissionais de saúde, investigadores académicos, representantes de associações e membros de projetos que têm procurado melhorar a qualidade de vida dos que cuidam.

Cuidar de quem cuida é promover a saúde da população, sabendo que as estimativas apontam para um aumento crescente do número de cuidadores informais, com todas as dificuldades subjacentes: empobrecimento, desgaste físico e emocional, stress associado à falta de conhecimento que lhes permita dar uma resposta mais sólida ao sofrimento de quem cuidam…São vidas suspensas, com dificuldades em rasgar horizontes para o futuro.

Do diálogo construído ao longo desta sessão, aqui ficam algumas das ideias mais importantes:

  • Para cuidar é preciso cuidar-se;
  • Quem cuida aprende e pode ser fonte de conhecimento essencial para quem quer  cuidar melhor de si e dos outros – criar uma rede de partilha de experiências seria útil e urgente. As salas de espera, onde o tempo se dilata frequentemente sem qualidade, poderiam ser um lugar de hospitalidade para os cuidadores, servindo de veículo de divulgação de informação e de ponto de encontro;
  • Cuidar de quem cuida passa por conhecer os projetos locais que estão a ser implementados em várias zonas do país e promover a sua consolidação e preservação no tempo;
  • Cuidar de quem cuida exige que os diferentes serviços públicos se articulem para agilizar os apoios necessários;

Cuidar de quem cuida é ponto de exclamação e de interrogação: o inesperado que revoluciona a vida transforma-se em inquietação e dúvida. A resposta não pode ser um ponto final, mas sim dois pontos que abram espaço a alternativas humanizadoras das nossas comunidades.

 

Agradecemos o contributo de todos os que estiveram presentes e que enriqueceram a reflexão com a sua experiência e sabedoria:

Eliana Cruz, Psicóloga, membro do Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC) do Instituto Nacional de Emergência Médica.

Fátima Sousa, representante da Associação Nacional de Cuidadores Informais

Leonel Castro, fotojornalista, vencedor do prémio Estação Imagem 2019 Coimbra, com um trabalho sobre o papel social dos cuidadores informais, intitulado “Almas”.

Sara Alves, gerontóloga, membro da equipa do Centro de Atendimento Cinquenta Mais (ICBAS.UP), estando principalmente envolvida na consulta ao cuidador.

Sérgio Pimenta e Rita Costa, Enfermeiros, membros da equipa do projeto “Viver com Demência”, desenvolvido nas Unidades de Cuidados na Comunidade (UCCs) do Aces Matosinhos para o acompanhamento do utente e família na sua comunidade

Partidos Políticos:

Álvaro Castello-Branco, pelo CDS, Diana Ferreira, pelo PCP, Mariana Macedo pelo PSD, Moisés Ferreira, pelo BE e Patrícia Faro, pelo PS.

Público

 

 

 

 

 

 

 

 

Próxima tertúlia GERMEN: Cuidar de quem Cuida, 27 Maio, 18.30, Reitoria UP, Sala Casa Comum

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Cuidar de Quem Cuida” é o tema da próxima tertúlia organizada por GERMEN (Grupo de Estudos e Reflexão em Medicina Narrativa), integrada no ciclo de tertúlias “Dialogar para Melhor Cuidar”. Dia 27 de Maio, às 18.30, na Reitoria da Universidade do Porto, na Casa Comum.

Cuidar dos cuidadores informais e dos profissionais de saúde implica:
• Definir quem é cuidador informal, não esquecendo que são as histórias da pessoa doente e do seu cuidador, inscritas nas suas biografias, que devem ser consideradas, evitando-se assim rótulos tipificados e abstratos;
• Pensar sobre o modo como o Estado e a Sociedade Civil poderão e deverão cuidar de quem cuida;
• Repensar o Cuidar de quem Cuida em contexto formal: como se promove o auto-cuidado dos profissionais de saúde e como cuidam as instituições de saúde dos seus profissionais?

A “Dor Mente”

a dor mente
a minha dormência anda acordada de dia e de noite
tem dias em que nem o chão me sente
tem pernas em que nem sinto as horas
o corpo todo foi parar a um formigueiro e anda todo a trabalhar por mim
sou feliz à vossa semelhança
a doença tem dias
a doença tem os meus dias
acordo cansado como se o dia tivesse sido ontem
disseram-me que ia acabar numa cadeira de rodas
mas ontem andei contra a maré e ainda tinha pé
eu tenho esclerose múltipla
mas não a tenho todos os dias porque sou muito atarefado e tenho que fazer outras coisas também
tenho que ser outras coisas também
outras coisas também
sou outras coisas também
somos outras coisas também
somos tudo também
o meu sistema anda nervoso à conta disto
mas o teu carinho cura-me
e o amor não tem remédio
tenho falta de equilíbrio
mas ainda hei-de fugir com o circo e caminhar num arame onde há espaço para todos
vê onde pões os pés que há um grande caminho para fazer
não sinto quando me tocas mas amo-te
mesmo sem mãos
mesmo sem dedos
mesmo sem pés
mesmo sem cara
mas com tudo o resto
tenho tudo
tenho tudo o resto
fica comigo que eu prometo que vou fazer tudo para te sentir para sempre

João Negreiros

http://joaonegreiros.blogspot.com/2011/06/dor-mente.html

Curso Intensivo de Medicina Narrativa, Inscrições Abertas

Começa dia 7 de Maio e termina dia 21 de Junho, às terças e quartas, das 18h às 21h. Para mais informações e inscrição, por favor consulte http://www.bioetica.porto.ucp.pt/pt/central-oferta-formativa/curso-intensivo-medicina-narrativa?

 

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Notas Soltas sobre a tertúlia “Cuidar na Demência”, 25 Março 2019

 

‘It is in the nature of beginning” — she claims — “that something new is started which cannot be expected from whatever may have happened before. This character of startling unexpectedness is inherent in all beginnings … The fact that man is capable of action means that the unexpected can be expected from him, that he is able to perform what is infinitely improbable. And this again is possible only because each man is unique, so that with each birth something uniquely new comes into the world.’ (ARENDT, Hannah. 1958. The Human Condition. Chicago: University of Chicago Press, 177–8)

Quando se cuida na demência, cuida-se sempre em Relação: a relação com a pessoa que adoece, alicerçada na co-construção de uma narrativa que devolva a identidade esquecida ou em progressivo esquecimento; a relação com a família, pilar essencial no acompanhamento da pessoa com demência; a relação com a sociedade, cujas narrativas e imagens sobre a demência  têm impacto no modo como se constrói ou se desconstrói o processo de cuidar; a relação connosco: com os nosso medos, com as nossas expectativas em relação ao fim de vida, com o lugar que a vida pensada ocupa na nossa existência.

Cuidar na demência convoca-nos a repensar o paradigma dos cuidados de saúde em geral, focalizando a Pessoa para lá da doença, a pessoa que é e permanece mesmo que não tenha consciência de si. Tal vulnerabilidade exige uma resposta ancorada no Respeito, na Responsabilidade e no Reconhecimento da nossa própria vulnerabilidade (os 3 Rs dos cuidados de saúde)

A Demência é irreversível e incurável, pelo que qualquer cuidado orientado pela narrativa do restabelecimento de uma condição passada é perverso e falha totalmente na sua missão.

A promoção da saúde mental e a prevenção deveriam ser integradas na formação de todos nós desde a infância, ancorada no desenvolvimento de pensamento crítico, e nos círculos hermenêuticos de que nos fala Paul Ricoeur: crer, compreender, crer.

O livro “Never Let Me Go”, de Ishiguro, surgiu na minha memória várias vezes durante esta tertúlia. Sendo um romance sobre um mundo habitado por clones produzidos com o objetivo utilitarista de fornecerem órgãos para que os seres humanos possam viver mais tempo, é essencialmente uma narrativa sobre o sentido de Cuidar e de Ser Cuidado. Ironicamente, os clones conseguem um prolongamento da sua existência se forem cuidadores uns dos outros (irónico, num mundo que os cria como valores instrumentais e não intrínsecos…). Ishiguro recorda-nos que a essência da nossa humanidade está inscrita no Cuidar, ou seja, somos humanos na medida em que somos seres em relação, ou como diria Lévinas, é o Rosto do Outro que me faz Ser.

Susana Magalhães

poster cuidar na demência